"Quem és, ó Senhor?"
Espiritualidade
A revelação no caminho para Damasco (Para melhor reflexão você pode ler: ( o capítulo do livro" Para se tornar como Jesus. Itinerário de exercícios espirituais para jovens".[1] ) e (At 9,1-9), e consultar as citações bíblicas no lado direito do blog.)
A partir do texto bíblico sobre a conversão de São Paulo, os autores propõem a mudança de mentalidade que o Evangelho supõe para todo aquele(a) que se coloca diante de Jesus Cristo. O elemento central da narração é a pergunta: “Quem és, ó Senhor?”, que demonstra como Paulo havia perdido a chave de acesso a Deus e a si próprio. Assim, como surgiu para Paulo, uma luz nova brilhará para aquele que se confronta com o Senhor, a grande luz.
A revelação no caminho para Damasco é, para Saulo, o primeiro passo de uma longa viagem.
A imagem que Saulo tinha de si e de Deus vira um monte de cacos e precisa ser recomposta para que possa aflorar a identidade mais profunda e mais verdadeira de Deus e do homem.
O elemento central da narração de Atos 9,1-9 não é a luz que resplandece no céu ou a queda ao chão, mas a pergunta:
“Quem és, ó Senhor?”, que demonstra como Paulo havia perdido a chave de acessoa Deus e a si próprio.
A experiência no caminho para Damasco se insere num percurso muito mais amplo, que vai além do trecho de estrada que liga Jerusalém à Síria.
Esse percurso é assinalado por um evento decisivo
(o apedrejamento de Estêvão);
é caracterizado por uma progressão de violências que reforçam o zelo de Paulo;é marcado pela progressiva aquisição de uma identidade
por parte da comunidade cristã;
e, sobretudo, é perpassado pela presença do Espírito Santo.
Esse mesmo Espírito, que desceu sobre os primeiros discípulos e começou lentamente, direcionando-os para além de Jerusalém, agora está pronto para abrir as portas ao mundo pagão;
e, para fazer isso,agarra ninguém menos do que Saulo, o fariseu decidido a deter todos aqueles que se propõem questionar os princípios da identidade judaica, relativizando-os com a abertura ao mundo pagão e com a centralidade de Cristo.
Aquilo que Paulo sente é tão forte que a sua primeira reação não é totalmente positiva:ele se encolhe no seu mundo em pedaços, engolido pela obscuridade, rejeitando aqueles meios de subsistência
que lhe garantem a vida, deixando-se, por certos aspectos, morrer. A única luz que brilha nas trevas daquilo que ele estava vivendo
é a oração: herança preciosa,que desde sempre o acompanha e é sinal de uma graça que,agindo nele, o torna disponível para interiorizar os vários aspectos do inesperado encontro com o Ressuscitado.
Nele, o rosto de Deus e da comunidade cristã serão totalmente recompostos.
e, para fazer isso,agarra ninguém menos do que Saulo, o fariseu decidido a deter todos aqueles que se propõem questionar os princípios da identidade judaica, relativizando-os com a abertura ao mundo pagão e com a centralidade de Cristo.
Saulo por ele mesmo…
“De fato, eu vos transmiti, antes de tudo, o que eu mesmo tinha recebido, a saber: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e, ao terceiro dia,foi ressuscitado, segundo as Escrituras; e apareceu a Cefas e, depois, aos Doze.
Mais tarde, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez. Destes, a maioria ainda vive e alguns já morreram.
Depois, apareceu a Tiago; depois, a todos os apóstolos;
por último, apareceu também a mim, que sou como um aborto.
Pois eu sou o menor dos apóstolos, nem mereço o nome
de apóstolo, pois eu persegui a Igreja de Deus.
É pela graça de Deus que sou o que sou.
E a graça que ele reservou para mim não foi estéril;
a prova é que tenho trabalhado mais que todos eles,
não propriamente eu, mas a graça de Deus comigo” (1Cor 15,3-10).
“Quando, porém, Aquele que me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça, agradou revelar-me o seu Filho, para que eu o anunciasse aos pagãos, não consultei carne e sangue, nem subi a Jerusalém para ver os que eram apóstolos antes de mim. Pelo contrário, parti para a Arábia e, depois, voltei ainda a Damasco” (Gl 1,15-17).
“Precisais deixar a vossa antiga maneira de viver e despojar-vos do homem velho, que vai se corrompendo ao sabor das paixões enganadoras. Precisais renovar-vos, pela transformação espiritual de vossa mente, e vestir-vos do homem novo, criado à imagem de Deus…” (Ef 4,22-24).
Vivência
Em busca do verdadeiro eu
“Quem és, ó Senhor?”
A pergunta que Paulo faz no caminho para Damasco obtém um duplo efeito: a revelação de Jesus e o doloroso esfacelamento da imagem de si que envolve Paulo.
E esse esfacelamento será decisivo para uma libertadora consciência da identidade profunda do seu eu.
Tudo isso se refere também a nós:
Como fazer para unificar as várias ou conflitantes imagens que temos ou que procuramos atribuir aos outros, dependendo do contexto?
Como unificar as experiências e expressões afetivas?
Como aprender a administrar as próprias emoções e sentimentos para poder caminhar na autenticidade e na liberdade?
Provavelmente se trata de situar-se bem naquilo que se vive no presente; se trata de concentrar-se sobre aquilo que acontece comigo e ao meu redor, hoje, buscando no cotidiano a luz necessária para compreender o próximo passo a ser dado.(cuidado: a luz ilumina, mas pode também “ofuscar”, como aconteceu com Paulo)
Isso requer a arte de “aprender a escutar-se” para poder compreender se efetivamente estamos à escuta daquela voz que responde à nossa pergunta de sentido:
“Quem és?”
“Eu sou Jesus”.
É necessária, com certeza, uma força que nos dê a energia para poder afrontar este momento; tal força é o Amor, que pode manifestar-se na atitude do estupor, mas também na do turbamento (pensemos em Maria, no anúncio do anjo, ou em Saulo, ao viver aquela situação de forte desconforto existencial) que criam espaço em si para as perguntas de sentido que abrem à plenitude da própria identidade, favorecendo a passagem gradual:
Do desânimo à esperança realista;Do ativismo neurótico ao abandono;Da preguiça ao compromisso apaixonado;Do orgulho à humildade (que está longe da humilhação);Da indiferença à disponibilidade em dar tudo.
“Escutar-se para escutar a Palavra”
requer também a capacidade de ter uma adequada memória de si que ajuda a colocar a própria vida num continuo espaço-temporal que mantém juntas as experiências:
-negativas (para Saulo, a perseguição)
-e as positivas (o encontro com o Ressuscitado).
Trata-se de passar da memória orgulhosa de si
para a memória grata e reconhecida.
Os Padres do deserto, a este respeito, reafirmavam a necessidade de “ruminar” a Escritura.
Num apotegma atribuído a Antônio do deserto se diz:Para o camelo basta pouco alimento.
Ele o conserva dentro de si enquanto não retorna ao estábulo, o traz de volta à boca,o rumina até que entre em seus ossos e em sua carne…
…Imitemos o camelo:
recitemos cada palavra das Santas Escrituras guardando-a em nós até que a tenhamos cumprido.
Trata-se de nutrir-nos com o alimento da Escritura para permitir às mãos de Deus, presentes na Escritura meditada e rezada, levar a cumprimento aquilo que iniciou conosco e em nós.
Trata-se de “informar-nos” e “formar-nos” na escola da Palavra para que esta nos conduza pelas estradas da nossa cotidianidade. Fazer memória da nossa história com Deus, através da luz da oração, significa introduzir-nos na história de salvação pela qual já fomos gerados, juntamente com Aquele que nos amou e deu a si mesmo por nós. (cf. Gl 2,20).
Orientação espiritual
Até… se tornar Jesus...
No caminho para Damasco o jovem Saulo compreende,através da experiência do encontro,
que é bem conhecido do Senhor!
E compreende também que Deus tem um desígnio de felicidade muito elevado para ele.
Saulo se rende, também porque fica logo desarmado, pela força da luz; e, depois de um momento inicial em que se sentiu perdido, responde tornando-se companheiro do Espírito que, como lembrávamos, sintoniza sempre com os nossos desejos mais profundos.
Este caminho de assimilação a Jesus, para Paulo, durou a vida toda e foi tão transformante a ponto de fazê-lo afirmar, perto do seu final:
“Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20);
em outros termos,
“quem olhou e olha para o meu rosto, reconhece Jesus”.
E, se é verdade que o nosso companheiro de viagem, o Espírito, suscita em nosso coração emoções e sentimentos de paz, alegria e coragem, é lícito perguntar-se:Até que ponto devemos nos colocar em jogo?Quanto convém arriscar?Por quanto tempo e voltados para que objetivo?
A resposta parece ser muito clara e decidida, mas também corajosa:
Até que sejamos “transformados” em Deus!
Ou seja, até realizarmos no dia a dia toda a beleza interior da qual somos portadores.
Então é preciso coragem?
Certamente!
A coragem, a determinação e a força interior são presentes de Deus que já trazemos dentro de nós;é só questão de “valorizá-los” (lembra-se da parábola dos talentos?).
Um grande Padre da Igreja, Irineu de Lião, chama a atenção para esta possibilidade com uma expressão muito clara:
“Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus”
(Contra as heresias 3,19,1).
Em outras palavras: para mim e para todos é possível se tornar um outro Jesus!
Não com um desdobramento de personalidade (como pode acontecer a graves patologias), mas com um processo de maturação: quanto mais eu amadureço na beleza da minha personalidade, mais emerge a beleza de Deus!
Certamente tudo isso envolve o desafio do “caminhar”, e sabemos muito bem como é importante preparar-nos com estratégias adequadas. A proposta que nos é feita é a de acompanhar o nosso “treinamento” com uma adequada “alimentação”, cujos ingredientes são os seguintes:
A Palavra de Deus: a fim de que o nosso conhecimento de Jesus se torne mais profundado e possamos entender melhor
“o seu pensamento”.
A vida de Jesus: para que o seu modo ordinário de vida possa nos deixar curiosos, possa nos questionar e, quem sabe, se tornar o nosso.
A Eucaristia: a fim de que a vida de Jesus passe para nós, fique bem em nós e nos ajude a pôr ordem, iluminando os ângulos mais obscuros nos quais possamos encontrar aquilo que pouco a pouco nos transforma nele.
Se esta perspectiva nos parece pouco adequada a nósou muito “elevada”, estejamos atentos:
as coisas belas são as que se conquistam.
Não nos assustemos com os obstáculos que poderemos encontrar e que são fruto da nossa emotividade, instintividade ou também do inimigo do bem.
Estes obstáculos, que podemos chamar de“escolhos” precisam ser monitorados. (pensemos no mar, no rio e na
água que chega improvisadamente sobre o escolho: seu curso sofre um desvio, mas não um bloqueio!),
Vejamos os principais:
-O primeiro é o desencorajamento:
É como se “alguém” nos dissesse:
“Não, não se iluda; quanta coisa você começou e não conseguiu acabar? Quantas ocasiões você perdeu?
Desta vez, nem tente, pois seria outra derrota”.
Como reagir?
Com uma ponta de santo orgulho e confiança: é este o momento de arriscar mais.
Parece coisa de louco?
O que é a normalidade?
-Outro obstáculo:Uma forma de cansaço, quase uma espécie de preguiça intelectual. Neste caso, o “alguém” de antes nos sussurra: “Sim, tente, mas sem se cansar; satisfaça-se com o mínimo esforço; afinal, não é necessário muito… por que exagerar?
Quem está o obrigando?”.
O desafio, para nós, é pôr em ação uma grande tenacidade e o mais intenso empenho possível, sabendo que é uma questão de felicidade.
-Uma terceira fadiga é a superficialidade:Também neste caso nos é dito:
“Não se envolva demais como normalmente faz; encare o dia assim como ele se apresenta; afinal, passa, e amanhã será outro dia.Não aprofunde a coisa, não perca um tempo que pode dedicar a algo que vai fazer você ficar bem logo.
Por que se comprometer numa caminhada de longo prazo?”.
O desafio, aqui, é o de assumir com decisão a escolha feita, com autonomia e liberdade, para continuar a treinar com agilidade.
Neste dia:
Hoje procurarei fazer uma lista de alguns dos meus medos mais comuns (medo de não conseguir, de me bloquear, de não ser aceito etc.);
a seguir, e “sem espiar”, faço uma lista dos meus desejos, sonhos etc.
No final deste trabalho, confronto e faço a ligação de cada medo com o desejo correspondente…A surpresa?Descobrir que por trás de cada desejo há um medo e vice-versa; ambos, porém, são “nuances do amor”!
Então digo isso ao “treinador” Jesus e a quem mais está me acompanhando no caminho espiritual, para que eles possam me dar algum puxão de orelha sobre como administrar o conjunto da obra do ponto de vista humano e espiritual!
E vamos embora trabalhar e levar este Cristo aos nossos irmãos!
Adaptado de:
[1] Ferrante, Tosca; Gandolfo, Guido; Perego, Giacomo. São Paulo, Paulinas 2012.
http://www.cibercatequese.org.br/index.php/espiritualidade/espiritualidade-4/
água que chega improvisadamente sobre o escolho: seu curso sofre um desvio, mas não um bloqueio!),
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Olá! Muito obrigada pela visita. A Paz de Jesus e o Amor de Maria!
Abraço fraterno,
Marisa